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Os mitos e as verdades sobre o parto normal


Em janeiro deste ano, a Agência Nacional de Saúde (ANS) divulgou uma resolução que estabelece normas para estímulo ao parto normal.

Parto normal. Sonho de algumas mulheres, pesadelo para outras. O tema é amplo, as opiniões às vezes divergem, mas o fato é que ter um bebê de parto normal não é nenhum bicho de sete cabeças. “Uma mulher que tem um filho de parto normal é como um atleta que corre uma maratona: ele chega ao final quase morrendo de cansado, mas tem um prêmio o esperando. A mulher passa pelas dores do parto, mas ela vai ter o filho nos braços depois disso”, compara o médico Bráulio Zorzella, que é ginecologista, obstetra e sócio de um espaço que conta com suporte e profissionais especializados e se propõe a preparar a mulher grávida para o parto.

Mas, no Brasil, o parto normal está longe de ser o mais realizado. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país é o que mais realiza cesarianas no mundo. O recomendado pela Organização é que apenas 15% dos partos sejam cesáreas, mas as taxas chegam a 84% no sistema privado de saúde. Em janeiro deste ano, a Agência Nacional de Saúde (ANS) divulgou uma resolução que estabelece normas para estímulo ao parto normal e consequente redução de cesarianas desnecessárias no Brasil.

Segundo o site da ANS (www.ans.gov.br), essas regras “ampliam o acesso à informação pelas consumidoras de planos de saúde, que poderão solicitar às operadoras os percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico”. O site diz ainda que outra mudança trazida pela nova resolução é a obrigatoriedade das operadoras fornecerem a caderneta da gestante, no qual deverá constar o registro de todo o pré-natal. “De posse dessa caderneta, qualquer profissional de saúde terá conhecimento de como se deu a gestação, facilitando um melhor atendimento à mulher quando ela entrar em trabalho de parto”, afirma o site.

Um dos fatores que ainda levam tantas mulheres a optarem pela cesárea é o fato de que o parto normal é rodeado de mitos e dúvidas. O doutor Zorzella conta que alguns mitos decorrem da própria medicina: “são casos em que se acreditava que a cesárea deveria ser feita, mas que já foram descartados, como o bebê que faz cocô no trabalho de parto ou da mãe que tem pressão alta”. O médico diz que também existem os mitos populares, como o cordão umbilical estar enrolado no pescoço do bebê antes do parto.

“Basicamente, as únicas indicações para a cesárea são a falta de oxigenação para o bebê antes do parto, casos em que a mãe tem alguma doença que possa passar para o filho na hora do nascimento, como HIV e herpes, e quando a mãe está com a placenta prévia”, afirma o obstetra, que explica que placenta prévia é quando a placenta tampa o colo do útero e por isso, pode se romper na hora do parto. Ele diz que o que pode deixar a criança sem oxigênio na hora do parto são problemas na placenta ou com o cordão umbilical e bebês que são muito grandes em relação à mãe. Zorzella afirma que, nesses casos, a cesariana é feita para antecipar o parto e evitar que o bebê fique sem oxigênio ou que pegue alguma doença da mãe, mas que esses casos são minoria, cerca de 10%.

Em casos de gêmeos ou trigêmeos, o médico diz que o parto normal é indicado se estiver tudo bem, mas que é frequente que os bebês nasçam muito prematuros: “nesse caso, há indícios em trabalhos científicos de que é melhor cesariana, para proteger os bebês”, explica ele.

Zorzella conta que a cesariana é uma cirurgia de médio porte, e que o risco para a mulher é seis vezes maior em relação ao parto normal. Ele diz também que a recuperação da mãe é bem mais rápida em casos de parto normal: “se ela quiser ir para a academia dois dias depois, ela pode. Em geral, a recuperação é quase imediata. Já a recuperação física para a mulher que faz cesariana é em torno de 30 dias”.

É fato de que, em geral, o parto normal demora mais tempo do que a cesariana, mas Zorzella diz que é comum a mulher interpretar as horas e as dores do trabalho de parto de uma forma positiva. “A dor não é nada que não seja suportável, e eu sempre pensei que valeu a pena depois de ver as carinhas das minhas filhas quando nasceram”, conta Sueli Maian, 34 anos, que é recepcionista. Ela tem duas filhas, Ana, de 12 anos e Yasmin, de um ano. Ambas nasceram de parto normal. “Ver as minhas filhas depois de passar por todo o trabalho de parto foi uma emoção inexplicável”, afirma Sueli, que diz que 12 horas depois do parto já tomou banho e estava andando normalmente.

“A mulher que sente as contrações e os hormônios que são liberados no parto normal é uma mãe que acaba ficando mais realizada. Na mente da mulher que fez cesárea fica uma lacuna na percepção de o bebê ter saído dela”, explica o obstetra, que diz que as chances de a mulher ter depressão pós-parto após fazer uma cesariana são bem maiores em relação a uma mulher que teve o filho de parto normal.

O caso de Luana (nome fictício, usado para proteger a identidade da entrevistada, que preferiu não se identificar), 27 anos, estudante de Educação Física, ilustra o que o Zorzella diz. Ela conta que sempre quis ter parto normal, e que se preparou durante toda a gravidez para isso. “Fui para o hospital quando comecei a sentir contrações. Fiquei quase 20 horas em trabalho de parto”, diz Luana. Ela fala que em um determinado momento o médico que a acompanhava disse que seu bebê estava defletido (quando a criança está em uma posição na qual o tamanho da passagem não é o grande o suficiente na hora do parto), e que ela teria que fazer uma cesariana. “Ai me deram uma anestesia... E me cortaram”, desabafa Luana, que diz que se sente culpada por ter feito cesárea e que teve depressão pós-parto. “Se eu tivesse o acompanhamento de uma doula, acredito que as coisas teriam sido diferentes. Ela poderia ter conversado com o médico e ver se havia uma solução além da cesariana”, diz Luana.

“Atualmente, chamamos por doulas as mulheres especialmente treinadas para dar suporte físico e emocional para gestante e seus companheiros antes, durante e depois do parto”, explica Karen Cambero, 23 anos, que é fisioterapeuta uroginecologica e obstétrica e doula. Ela diz que existem estudos que comprovam a importância do acompanhamento de uma doula na hora do parto. ”Com a presença de uma doula, as mulheres conseguem passar pelo trabalho de parto de forma mais amena, sendo assim menores índices de analgesia e cesarianas”, conta Karen, que explica também que doulas não realizam procedimentos técnicos ou cirúrgicos. Ela diz que o serviço de uma doula em Sorocaba e região custa entre R$ 600 e R$ 900, mas que existem projetos em andamento que visam a inserção de doulas voluntárias para o atendimento no sistema público de saúde da cidade.

O doutor Zorzella acredita que é possível reduzir o número de cesarianas desnecessárias o Brasil, com mudanças que envolvem as gestantes, os profissionais e os hospitais. Ele diz que a mulher deve procurar se informar bastante sobre o assunto, e que ela pode fazer um plano de parto, que é “um documento no qual a gestante pode colocar informações sobre o pré-natal e gravidez, e que permite que ela estude todas as possibilidades que tem de local de parto, de profissional para acompanha-la, etc.”. O médico acredita que é preciso haver uma reciclagem para os profissionais, para que eles melhorem o atendimento a partos normais. “É preciso também incluir gente nesse cenário, como as enfermeiras-obstetras e as doulas”, diz ainda Zorzella, que afirma que os hospitais precisam melhorar suas estruturas físicas e administrativas. “Dá para mudar drasticamente o cenário se as pessoas tiverem boa vontade”, conclui o profissional.

Ivana Santana é estudante do 5º semestre de jornalismo da Uniso (Sorocaba-SP) e participante do projeto Muito Mais, sob orientação da jornalista Solange Prearo, voluntária no Instituto Noa (www.institutonoa.org.br)

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